domingo, 1 de maio de 2011

Belo Horizonte em 34 minutos (ou O fim do mundo e o prazer de se perder)

Blogueiro inexperiente que sou, tenho penado pra manter a média de uma postagem por mês. Não que isso seja um problema, até por que eu nunca primei pela quantidade - o que não significa que seja de grande qualidade o que se escreve por aqui. :-)

Abril escapou por pouco de passar em branco, e para garantir a redenção de maio, um mês tão importante, apelarei para o uso de um texto já publicado.

Meu amigo Henrique Milen, colega de trabalho e de paratiadas, é também editor de um ótimo site sobre a capital mineira. Na noite da última quinta-feira, lançou-me por e-mail um desafio: escrever um texto sobre Belo Horizonte em 34 minutos. Foi lá que passei o feriadão da semana santa, e a alma ainda não retornara de todo. Foram dias deliciosos!

Topei a parada e liguei o cronômetro no momento exato em que respondi ao e-mail com o aceite. A contagem terminou registrada na hora de envio do texto definitivo. Não consegui cumprir com o combinado, foram 55 minutos. Mas isso já tá bom demais pra quem vinha escrevendo um textinho por mês.

Gostei do exercício. Procurarei praticá-lo com alguma freqüência. Salvo por algumas repetições de palavras e um ou outro probleminha formal, textos escritos em uma sentada nem sempre perdem para aqueles enrolados por meses.

O Milen já publicou o texto no Ah!Cidade, mas como o assunto tem tudo a ver com o que se tenta pensar por aqui, e como o blog anda pobrinho, recorro à pirataria de mim mesmo (e também da excelente ilustração do cara):

Imagem: Henrique Milen. Técnica mista sobre o labirinto planejado de Belo Horizonte.


Um dos editores deste site me desafia, com ênfase no caráter de urgência, a escrever um texto sobre BH em 34 minutos. Dois problemas, logo de partida: o primeiro é que eu sou um procrastinador compulsivo, e não costumo me dar prazos menores do que 34 dias pra fazer o que quer que seja; o segundo é que eu mal conheço BH, e aprendi nos manuais de redação que a gente deve escrever sobre os assuntos de que entende (pelo menos um pouco). Mas, pensando aqui por não mais que 3,4 segundos, me vêm à cabeça pelo menos 34 livros escritos por gente que não fazia ideia do que estava dizendo (o que não significa que soubessem disso, obviamente). E nem falei das publicações em diários e periódicos!

Estive em BH umas três vezes. Todas visitas muito curtas, todas bastante obscurecidas por mais horas de embriaguez que de sobriedade. BH convida a beber, e essa é apenas a primeira obviedade (de 34?) que eu escrevo sobre a cidade neste excerto. O retorno da última ainda não faz uma semana, e o motivo da visita foi um casamento no dia de São Jorge. Data oportuna, aproveitando o feriadão da Páscoa.

A ignorância deste texto não se resume à absoluta falta de domínio do assunto pelo autor. Ela é o próprio assunto de que aqui se tratará.

Talvez por ser nativo da cidade-maquete, a cidade-modelo das cidades planejadas (preciso explicar de onde estou falando?), a minha relação com os lugares onde aporto é antes de tudo cartográfica. Gosto de visitar cidades desconhecidas com um mapa na mão, tentando visualizar o conjunto urbanístico à medida em que passeio. Nunca tive um mapa na mão em BH. Da história da cidade sei que também foi vítima da mão do urbanista inventor. Mas sempre me hospedei fora dos limites do Contorno, e talvez por isso me pareça um tanto arruaceiro o arruador.

Na última sexta saímos de manhã, eu e dois amigos, em missão de localização de um hotel no centro da cidade, onde tomaríamos um ônibus de turismo com destino ao Inhotim, parte das atividades do casório (que tinha mais convidados brasilienses que belorizontinos). Dos amigos, é bom que se diga, um é nativo da capital mineira (o motorista) e o outro é arquiteto-e-urbanista. O hotel estaria na rua dos Timbiras, alta numeração (o nome é bastante familiar para um antropólogo como eu).

Saímos do bairro Jaraguá com folga, uns 34 minutos antes da hora marcada. Havia ainda um agravante: era sexta-feira santa, e as ruas estavam desertas. A ideia era mesmo chegar com folga.

Encontramos a rua dos Timbiras logo após passar pela praça Raul Soares, que não deixa dúvidas de que estamos em uma cidade planejada sob influência haussmaniana. Nosso primeiro contato com os Timbiras tem por numeração dois mil novecentos e algum coisa. Bom, já que nosso objetivo está ali pelos três mil.


Seguimos mais um pouco, morro acima, e os número vão diminuindo. Fácil! É só fazer o primeiro retorno e voltar pela paralela, uns dois ou três quarteirões, até acertar a numeração. Tomamos a direita, novamente a direita, e já estamos na paralela. Seguimos os tais dois ou três quarteirões e novamente tomamos à direita, para encontrar – é natural – a rua dos Timbiras, ali pelo número três mil e qualquer coisa. Ledo engano. Encontramos Guajajaras, Aimorés, Tamoios e Tupis, e nem sinal de Timbiras. Muitas voltas, e ruas pelas quais passamos quarteirões e quarteirões atrás reaparecem na nossa frente. Pedimos informação, e a informação nunca é segura.

Uma amiga nativa, horas mais tarde, me explica a lógica, tal como ela a entende: em um sentido, as ruas têm nome de estados; no outro, nomes indígenas; finalmente, nomes de inconfidentes. Pergunto onde entram Pedro Álvares Cabral e Gonçalves Dias, e me arrependo por destruir uma cartografia mental tão bem montada. Lá está, pela quarta vez, a Avenida Bias Fortes. Já passamos três vezes pelo obelisco da Praça Sete. Guajajaras, mais uma vez. Não acredito que a Rua Tomas Gonzaga reapareceu na nossa frente, quando passamos por ela há cinco minutos e não me lembro de ter mudado de direção desde então.

O motorista nativo se descabela, não sem alguma vergonha. O co-piloto urbanista confessa estar desorientado – e essa não é uma confissão fácil para um co-piloto urbanista. Eu já não faço ideia de onde estou, e tenho certeza de que as ruas em BH mudam de nome quando assim o desejam.

E começo a gozar uma experiência espacial e urbana inédita. É como estar num sonho, em que a rua São Paulo daqui a pouco vira rua Ouro Preto, e os Tamoios imediatamente transubstanciam-se Carijós. O espaço é absolutamente etéreo quando se está perdido no centro planejado de Belo Horizonte. Só uma coisa é certa: pra onde quer que se olhe, lá no fundo está a serra. A única possibilidade horizontina de localização. Não há referência possível. Se não há certezas sobre o espaço, não pode fazer sentido o tempo. Se estamos perdidos em BH, não estamos atrasados para o ônibus. E as ruas planejadas de BH, em todo caso, já me dão o tipo de experiência que eu espero viver no Inhotim.

Estar perdido em BH é uma verdadeira experiência, e imediatamente me lembro de um filólogo italiano que garante que já não há experiência possível. Tudo, segundo o sujeito, é hoje deixado pra se experimentar depois. A experiência da máquina fotográfica. E me lembro, já que estamos numa cidade planejada, do velho Lévi-Strauss e sua primeira impressão diante da também planejada e então recém-construída Goiânia: uma paisagem bárbara e desumana, implantada no deserto; um sopro monstruoso com a absurda expectativa de que naquela terra brotassem seres humanos.

Talvez nada seja mais moderno que isso: arruinar a experiência presente para construir o futuro. Sinto isso quando compro livros que não lerei agora, ou quando delego escolhas para amanhã: hoje tenho preguiça, mas o eu que serei saberá o que fazer.

Talvez isso tenha algo a ver com a obsessão escatológica contemporânea. Ou não. É possível que desde sempre tenhamos sido obcecados com o fim do mundo. Mas é inegável que pululam teorias apocalípticas e cataclísmicas nesses nossos dias. Criamos cidades para o amanhã ao mesmo tempo em que estamos certos de que ele não virá. Porque estamos com preguiça de resolver os problemas que as nossas vivem hoje.

Passados já mais de 34 minutos me dou conta de que não tenho mesmo nada o que dizer de BH. Mas agora não tenho dúvidas de que BH me disse alguma coisa: poucas experiências são mais intensas que se perder numa cidade – tanto mais em uma cidade planejada para ser pura razão, pura lógica simétrica, mas que jamais poderia escapar ao destino de todas as cidades: virar uma matéria disforme, de percursos infinitos e significados profundos, como um sonho.

E completamente perdido extrapolei em 21 minutos o tempo regulamentar deste desafio.

2 comentários:

  1. Fala Pedro, beleza??
    Estou tentado falar contigo.
    me manda um email:
    ricardo.saab@br.icap.com
    abs

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  2. (ouvi isso agora a pouco)
    rua dos que morreram
    http://grooveshark.com/s/Ruas+Da+Cidade/2weD4u?src=5

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